domingo, 16 de novembro de 2008

O Primeiro Beijo



Ambos estáticos. Os olhares se desviavam, não era proposital, um impulso nervoso para que a certeza não viesse, estavam parados frente ao sentimento mais sublime e subversivo existente. Ela se levantou num assalto, ele a seguiu, foi interceptado e voltou a sua cadeira. Ela olhou para a porta, olhou para ele, olhou para o chão. Também retornou ao seu lugar e suspirou afonicamente. Não é preciso descrever como tudo começou, afinal, quem nunca teve um romance, bem ou mal sucedido, fundamentado em carência ou na sublimação que é o verdadeiro Amor? Também é indiferente como eles eram, como são e como serão; são todos nós, são todos os eus cabíveis dentro de uma mesma dúvida: o que é amar?
Agora pairava em ambas mentes a dúvida: E agora? “Preciso falar-te, Melissa, eu quero que saiba...” Emudeceu, ele não sabia o que era necessário ser dito, Melissa o olhou e corou a face, ela sabia perfeitamente o que era.
Os pés dela começaram a esticar em direção as pernas de Henrique, faziam carinho e conferiam um ar mais amistoso ao ambiente. Ele, em contra partida, começou a assobiar baixa a música preferida da amada, era algo detestável e meloso; ela se emocionou como todos nós faríamos. E o dia foi mesclando com a noite, e o tempo passando e a calma vindo, eles poderiam esperar muito tempo ainda.
“Você vem comigo, Henrique? Para onde eu desejar, mesmo que seja um lugar onde não haja espaço para cautela e inseguranças? Você conseguirá se desprender de todos os seus medos em nome de algo maior e se lançar ao meu lado a tudo isso que vejo em teus olhos?” Ele a olhou, deu um sorriso singelo e acenou com a cabeça. Ela bebeu um copo de água e comeu algumas bolachas. Já era noite, ambos se levantaram e foram andando peripatéticamente pelo jardim, o frio já se fazia presente.
- Quanto tempo se passou, Mel? Desde que você chegou nessa casa, se sentou na cadeira e me outorgou uma decisão tão difícil, quanto tempo? Quanto tempo para destilar seu veneno, inebriante e letal, que me confere mais medo e insegurança que a noite gélida a qual presenciamos?
- Não muito, você é alguém previsível demais para eu gastar toda minha retórica, e já está morto do veneno que diz me fazer peçonhenta. Como chegamos a esse ponto, como nos amamos tanto, mas nos afastamos por um abismo imperceptível? Como eu venero tua morada, calculada nas dores alheias e anseios egoístas, como você ainda consegue me atrair?
-Simples: você é uma bela criatura, inebriante, como eu mesmo já disse, mas fraca em suas convicções. E, ao me encontrar, ancorou toda sua fraqueza, mesmo eu não sendo tudo o que você almeja para possuir. Eu só me pergunto, será isso amor? Anos e anos passei estudando a mente humana, e tentando explicar este sentimento, e você diz que o temos nos unindo, mesmo de maneira pouco saudável?!
Ela parou, cobriu o rosto para que não a visse chorar. O diálogo sério e carregado de elucubrações faz parecer mórbido, ficcionista e desumano. É que eles, diferente de nós, falavam o que realmente sentiam, sabendo que isso não seria atenuante na dor que os amantes incompreendidos sentem, amantes que partiriam para sentidos opostos antes do amanhecer.
-Eu te amo, com todas as forças que consigo reunir. Mas sei que não é um amor que motiva a seguir em frente, ao contrário, ele me priva de estar inteira, pois só ao teu lado reúno as minhas maiores, e piores, forças. Eu nunca pensei no Amor, sempre julgando apenas uma palavra obsoleta e desconexa, e agora me encontro com as mesmas dúvidas. Não é engraçado?! Você o estudou tanto, eu tão leiga, mas ambos suspensos pelo mistério do amor!
Ele chegou perto, enlaçou sua cintura com uma das mãos e com a outra fechou os olhos de Melissa. Aproximou-se do seu ouvido e sussurrou para que nem os morcegos ouvissem e participassem daquele momento solene, momento íntimo:
- Você quer glorificar porque não o conhece, mas eu, não só o estudei, mas fui vítima desse algoz desesperado. Diz a lenda, que quando nos machucam, as feridas ficam latentes e profundas, e só se fecham com novas e piores. Para isso, é preciso machucar o outro, outorgar a dor é compartilhar amor, é deixar viva a angústia de se estar vivo, é compartilhar o que tenho de mais intenso, minha loucura por amar todas as coisas. Eu te amo.
-Eu te amo, e não estou com medo de sofrer, eu te amo...
E então, seus lábios se encontraram e ambos choraram em soluços. Não era o primeiro beijo deles, mas parecia, assim encararam. E viveram aquele momento de êxtase com glória e vitória, era o beijo melhor dado e recebido, o primeiro, porque é o mais verdadeiro, limpo e liberto. Algo que esquecemos por querermos velar o sentimento alheio, quando as feridas transbordam e sufocam toda a verdade do beijo, a verdade do amor. Ela o abraçou, ele a rejeitou e entrou na casa. Melissa foi embora, de pés descalços. Nunca mais se viram, nunca mais souberam do que aconteceu; no fundo se sentiam arquétipos e queriam que fosse assim. Há uma Melissa dentro de mim, de você, que quer viver um amor sincero e ávido. E um Henrique, que quer o entender e faze-lo verdadeiro, eterno; quando eles se encontram? Talvez tenhamos de estar descalços de nós mesmos para encontrá-los.

Um comentário:

May disse...

Me sinto até inibida de tentar escrever um texto com o mesmo título.
Esse texto é o arquétipo pós-Lispector da opção literária "O Primeiro Beijo".
Sem mais, ficou maravilhosamente perfeito.
Tou até sem palavras. ;_;
MUITO LINDO! *___________*
M'ensina? :B
HAHAHAHAHA ^^

E cadê o outro texto que você disse haver postado?

Te amo meu bem;
você é minha heróia, ficadica. (LL)²