sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Encontros e Desencontros.

Marcaram o encontro às duas, na praça perto da casa dela. Ele chegou mais cedo, acendeu um cigarro para esperar, logo se transformou em um maço inteiro, ela parecia atrasada. Estava. Quando chegou, depois de quase meia hora de atraso, parecia conformada e nem um pouco preocupada com a ansiedade do até então amado. Mãos unidas em ato suplicante, ele queria conversar. Era desperdiçar anos de vida, uma história bela por pouca coisa, por crise de adolescência atrasada. Isso a enfurecia, ele não entendia, era incapaz de perceber...
- Não é nada disso, se você soubesse nunca me faria tais acusações. Somos muito diferentes, você busca algo que não me é próprio!
- O que?
- Comodidade, segurança, você é tão... tão conformista!
- Que estranho, há poucos meses isso lhe deixava feliz, você dizia ser atitude de homem! Estranho isso...!
- Estranho seria eu acordar com você ao meu lado, agora isso seria estranho! Eu não sou a mesma de um mês atrás, nem um dia, então não preciso me justificar. Agora você, nunca muda, não melhora, não se esforça. Matou seus sonhos em uma só tacada, quer fazer o mesmo comigo, não posso deixar.
- Tem outro? Tem, não tem?
- Anh?! Como assim? Não preciso disso para terminarmos, apenas não quero mais sua companhia, que, aliás, tem sido um imenso fardo!
- Como você é cruel, como você é cruel...!
- E esses cigarros? Ia parar na primeira semana que nos conhecemos, depois de anos eles ainda nos acompanham, mesmo com minha alergia. É isso que me irrita, seus cursos inacabados, suas viagens nunca feitas e os sonhos deixados pelo caminho, é isso que me irrita.
- Eu te amo! Você sabe o que é isso?! Tou falando de amor, garota! Você é a mulher da minha vida, e não pode terminar comigo por um cigarro ou as férias que não aconteceram. Não é sólido o suficiente!
- E o que é sólido? Dividirmos contas, lençóis e você saber como gosto do meu café? Jantarmos juntos e comermos chocolate durante o jornal? Sair para dançar e dormir no carro, com medo de voltar para casa? O que temos de sólido, além de hábitos mortos e uma vida rotineira?
- Mas é isso, um relacionamento é isso! Se não houver a rotina, não há relacionamento, não há amor. A adolescência já passou, cresça. Não tenho que me inventar todos os dias, meus defeitos deviam ser normais, assim como minhas qualidades.
- Eu preciso ir embora, passo amanhã para pegar minhas coisas no apartamento, se quiser ir separando os discos e livros, por mim tudo bem. Ah, vou levar algo para almoçarmos, não acabe com todas as cervejas na geladeira, por favor.
[...]
Ela apareceu no dia seguinte, vestia uma saia que ele amava. Dizia ser presente de Deus, pois parecia o próprio céu, ele complementava dizendo que ela era o próprio paraíso.
- Oi, hoje você não demorou. É tanta a pressa de ir embora?
- Não é isso, por favor, não quero ressentimentos; eu só fui pontual porque vim de táxi, meu pai ia pegar uns exames aqui perto.
- Você vai morar com ele agora?
- Por enquanto sim, mas depois mudarei para o apartamento da Ana, lá do restaurante, sabe?!
- A Ana é realmente sua amiga, né?! Gosto dela, acho que será bom vocês morarem juntas, vai perceber que a vida é uma rotina, não sou eu o chato que entedia seus dias.
- Eu não disse isso, disse? Talvez eu que não estivesse pronta para relacionamentos mais sérios, vai saber. Onde estão minhas coisas?
- Ali, tudo embalado com muito carinho. Não quero almoçar com você, só iria me fazer mal.
- Ta, então eu vou indo. Sê cuida, tchau.
- Te amo.
[...]
O tempo passou, os meses condensaram e um dia o telefone toca. Ele atende, estava mais preocupado com o futebol.
- Alo, é a Marina. Tudo bom, Carlos?
- Oi, quanto tempo. Como cê ta?
- Tudo bem, eu tou morando aqui no meu pai, só que com a Ana. Ele ta trabalhando em Portugal, só volta ano que vem.
- Legal, seu pai sempre arruma coisas diferentes para fazer, né!? Nada de rotina!
- É... Te liguei porque tem um disco do Caetano meu ai com você. Eu sei que você adora, mas é meu preferido, e a Ana não tem também. Você pode trazer até aqui?
- Claro, passo aí agora, ele ta aqui no som. Legal, você e a Ana parecem até um casal agora.
- Não exagera, a gente é só amigas, nada mais. Se bem que, com ela, a rotina é bem mais animada mesmo. Tou te esperando, beijão.
[...]
O apartamento tinha a cara do pai de Marina, bem moderno. Muitos quadros e livros espalhados. Tinha umas latas na mesa principal e um baralho empilhado no canto, elas estavam cozinhando quando ele chegou, sentiu-se um estranho.
- Aqui está, inteiro, nunca arranharia um disco como esse.
- Eu sei, sempre confiei no seu cuidado com as coisas, quer almoçar com a gente?
- Atrapalho?
- Não, imagina. É um prazer, quero saber como anda o trabalho, seus pais e as namoradas.
- Senti uma pontinha de ciúme!
-Ou saudades, mas agora vem!
Almoçaram, riram e jogaram buraco a tarde toda. Marina sentia saudades, verdadeiras saudades, saudades da rotina, do jeito calmo de Carlos, do violão desafinado e o cafuné no fim do dia. Ele já olhava Ana, que era a mais calma de todos, parecia acostumada demais com a vida, nunca se irritando com o que lhe era reservado.
Aos poucos, os três se viam com freqüência.
[...]
Marcaram no bar, ele e ela. Ela se arrumou, chegou mais cedo e tomou várias cervejas o esperando. Ele atrasou, e ele nunca atrasava, mas atrasou.
- Que foi?
- Nossa, senhor hostilidade. Chamei você aqui porque temos que conversar...
- Sobre o que?
- Tenho saudades, queria muito que voltássemos, o disco do Caetano só é meu preferido ouvido abraçada a ti.
- Que romântico, muito me infla o ego ouvir tal, mas não posso. Estou namorando, ou quase.
- Quem, eu conheço?
- Ana, mas ela não te contou antes por medo da sua reação, ela gosta muito de você!
- ...
- Não fica assim, Má! Você vai achar alguém que te ame, que saiba inovar a cada dia, você era demais para mim, demais para nós dois, demais para você mesma.
- Você é cruel... Muito cruel!
- E seus ataques, e suas crises de verdade? Me dizendo como eu era, apontando meus defeitos como se você espelhasse perfeição. Isso é cruel, agir como um azedume e agora me cobrar compaixão, amenidades.
- Te amo.
- Eu sei, mas agora pode ser hora de mudar isso.
- Eu vou indo, já vi que seu humor não está dos melhores.
- Tudo bem, passarei amanhã em seu apartamento para pegar as coisas de Ana, ela me pediu. Tchau.
- Tchau.

[...]
Carlos amava Marina, namorou Ana. Carlos casou com Ana, separaram dez anos depois, ambos infelizes, mas sem forças para uma separação. Marina viajou o mundo todo, namorou vários, não gostou de nenhum. Dizia só gostar de seu velho disco do Caetano. Um dia, após dez anos, Carlos e Marina encontram-se em uma livraria à beira-mar.
-Quanto tempo, Carlos. Como está?
- Com saudades, o que faz aqui?
- Vou morar aqui, pelo menos por enquanto. Ainda casado?
- Não, acabo de me separar, graças a Deus.
- Já vi que você mudou muito.
- Não mudei nadinha, como da última vez que nos vimos e ouvimos seu disco, ainda tem?
- Sim, e, como não mudamos nada, acho que podíamos ouvi-lo novamente. Fico feliz de não ter mudado, realmente feliz!

sábado, 10 de janeiro de 2009

[Antigo] Devaneio.

Queria tirar todas as suas dores, curar tuas feridas e trazer-te para meu leito. Queria secar teus olhos impregnados de mágoa e rancor, olhos secos por uma vida áspera e sem poesia. Queria dar-te um mundo cheio de cores, um mundo leve e místico, do qual pudéssemos carregar nossas energias e viver sagas ilimitadas de plenitude. Mas, por ironia ou descaso, parece que não consigo acessar este campo que é você, não consigo penetrar em tua alma e dar-te minha mão. Não acesso tua mente, cheia de labirintos e minotauros, cheia de enigmas e complacências; cheia do vazio que sou eu. Se pudesse, se você me permitisse em sua imensa caridade, faria de seus dias os mais límpidos e graciosos. Deitaria teu rosto suave em meu colo e te afagaria com minhas mãos, docemente alisaria tua face e cantaria os hinos mais sagrados. Cobriria tua casa com pétalas do mais adornado jardim, teu andar se faria perfumado. Inventaria mil formas de alegrar-te e, gentilmente, me imporia em tua vida, não como mais um empecilho, mas como veículo de graça, alegria e leveza. Meus predicados são limitados, eu sei; e minhas aspirações múltiplas, mas, ao lado de tão honroso cavalheiro, enfrentaria erguida todos os problemas, sobrepujando a dor.
Mas não deixa, não posso, não consigo. Há algo como um campo magnético que me separa de ti, que me faz transmutar idéias turvas em sentimentos febris. Enlouqueço com teu semblante, que em minha cabeça vai e volta, se torna um zumbido que não sai, que machuca, feri os mais sutis sentimentos que eu tenho, absorve as forças mais certas e desmorona meu gênio de maldades e frieza. Penso se é você que não me quer, que não me tem em sua mente, não aspira nada ao meu lado, relegando a mim a mais absorta lembrança, a mais negligente passagem em tua vida. Penso que teu caminho está traçado e eu, impotente e miserável, não poderia deitar em tua linha da vida, fazer-me presente, mesmo que sutilmente.
Miserável sentimento é este, que não sei nomear, calcular, nem ao menos sentir. Miserável condição humana é essa, que há pouco se infla de certezas, e logo após se debruça em lágrimas por não entender este nó dado no peito, intransferível, insolúvel, mas que dói e aperta até nos dias mais belos do fim da primavera. Agora, despeço-me, na triste certeza que você não virá. Não acenarei com bandeiras, brindando esta emoção que me invade, deixarei que meu calar se faça presente e te dê, como alerta, todo este nobre sentimento que me preenche, e que, como sorte, em breve repartiremos.


Ps.: não repartiremos.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Lembra-te, gentil.

Sente a melodia, vagueia por ela como um bêbado pela avenida. Sua mão já encosta na minha, a possibilidade de ser embalada por ti sem termos que nos tocar, é esta a beleza da música. E bem sabe que, ao passo do tempo que se arrasta, todas as belezas da alma se atrelam a sua figura, agora flagelada em lembranças. Não há dança sem que se lembre de seus pés, ou caminhar sem seu cavalo uníssono. E agora o salão está tão vazio, frio e morto. Olho para as pessoas com meu mais solene descaso, todas elas me refletem a morbidez que pode se tornar estar vivo. Sento-me na enorme escadaria, afagar meu vestido não me consola, desfazer o penteado é como desistir da festa, desistir de tudo.

A verdade, triste e turva, é que meus dias escureceram. Não há manhãs sem seu belo ‘bom dia’, e nas tardes chuvosas não há doce ao pé da lareira. É que as estrelas perderam seu significado, o mundo parece girar mais rápido para otimizar minha solidão. Cansada de aperfeiçoar este estado insípido, corri mundo; procurei-te em todos os cantos. Inútil! Todos querem usar máscaras com sua face, bela e austera, mas nenhum carrega sua espada, sua nobreza. Posso ver o salão cheio de farsas, das quais não quero conviver - demais para mim. Retornar ao meu estado e esperar que rompa a porta, beije-me a mão e me conceda uma primeira última dança é sonhar demais? Pois, ao repousar, seja no verão ou no rígido inverno, é apenas esta cena que me vem à cabeça. Há de haver o dia em que embalaremos nossa vida com um Amor frondoso, que nos banhará em plenitude.

A primavera me parece distante, ela é contemplada em um dia esquecido, do qual possivelmente teremos que esperar para viver. Não se esqueça de mim! Não se esqueça de quão meu amor por ti é forte e sincero. Por mais que passemos por moradas diferentes, terrenos longínquos e dragões inúmeros; não se esqueça de mim. Pois eu viverei pensando em ti, todo meu labor é para ti, não demore, não demore, por favor. [A escrita já me falha, o coração inflama, tal sentimento começa a se mesclar nas palavras, pobres companheiras.]

Mas vejam, assustados leitores, nem tudo é como pensam. Devem estar pensando como deve ser este homem, qual eu deposito meus maiores sentimentos e esperanças. Talvez alto, forte e voraz, possivelmente muito gentil e de traços finos. E agora a curiosidade deve extrapolar os limites, todos devem se indagar como nos conhecemos e o quão somos íntimos. Não, não, não![Nota-se minha tristeza na ênfase, ao menos deveria, tudo é tão corrosivo agora, quase sinto uma mágoa ao meu lado]. Não há ele, não há nada além do anseio de sua existência, infantil desejo emancipado em meus dias. Não há nada além da aventureira vontade de viver este amor, tão puro e claro; tão fluido e majestoso. Falta-lhe face, falta-lhe existência, nobre homem. Só vejo suas sombras, suas máscaras, mas nunca fomos apresentados.

Vai, foge sentimento pouco lúcido! Faz-me enxergar a crueldade do medíocre, me faz viver meus dias sem teu arquétipo, sem essa espera angustiada. Faz-me descansar e não ter mais que esperar o acaso, o destino, ou simplesmente buscar em si alguma explicação lógica. [Ele se afasta, vai aos poucos atendendo ao meu pedido, eu não sei mais se é o que quero.] Volta! Que não te quero distante, perder-te é minha clausura, desistência maldita da beleza do mundo, beleza que não é do mundo. Estou aqui, estarei sempre. Não se atrasa, nosso encontro selado está, vem que espero tua mão, teus pés, seu semblante a fitar-me. Lembra-te do nosso amor, remontado em tempos de glória, lembra, lembra... [E assim já estaremos juntos!].

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Feito dos Heróis...


Prefiro cantar o feito dos Heróis, quero imortalizar a voz que tantos tentam calar com os infortúnios da rotina, do massacre. Mas eu, como filha de tais seres Humanos, tenho que revivê-los em minha doce memória e avisar ao povo, aos comuns que marcham sem Heróis, sem Deuses, que eles ainda vivem e velam pelo vão sono da Humanidade. Se protestarem, dizerem que jazem nas ruínas do passado, que sou louca por crer no que não se toca, eu direi:
“Sou como a Fênix, ressurjo das mesmas ruínas que meus irmãos, meus pais, amigos leais do tempo de outrora. São essas ruínas que me fizeram forte, edificaram minha morada e hoje são alicerce de minha moral. Cairei, mas com um ato heróico, e ressurgirei dos meus cacos, os refazendo com o poder dos antepassados, que por aqui já passaram. Louco é aquele que se vende para as estruturas falidas que diante dos nossos olhos estremecem. Eu posso toca-los, a cada pôr-do-sol, a cada desabrochar de uma flor, a cada lágrima que pasma com a beleza do Mundo. Isso é real, é a realidade rechaçada pelos homens, isso é Real, é a Realidade salva pelos Heróis.”
É aos Heróis que devoto minha vida, como uma pequena discípula, sigo seus passos e entrego meu destino na mão dos que já o fizeram. Sei que a estrada não é fácil, nem espero, pois para tão venturoso destino só poderiam ter distintas provas, ser Herói é para os fortes. E por tantas me sinto fraca, pequena, insignificante. Mas logo me recordo:
“ Sou filha do Universo, essa mãe gentil que zela por nós através da melhor educação, a Justiça. E como sua filha, ela me reserva só o que há de melhor, algo que me faz Deus, algo que me faz tão magna e forte quanto o Universo, eu sei. Sinto em minhas veias correndo a força de um Sol, a grandeza de uma Super Nova, emana dos meus poros todo o Cosmo e sua Luz. Sou pequena como um átomo, mas tenho toda a potência do Universo.”
Não, não, caros amigos, não estou em devaneios. Estes que, às vezes, confesso, me visitam, agora estão longe. Fala dos distintos, falo da estirpe, falo dos homens que fazem de suas vidas uma verdadeira Saga. Falo daqueles que sabem que palavras como Honra, Beleza, Verdade e Fé são mais que mera bobagem para enganar o pobre e ignorante. Falo de Aquiles, Hércules, Odisseu, Penélope... Falo de todos, e de tantos que convivo e admiro. Não sei se os conhece, talvez os visitem-nos mais austeros sonhos, a mim parecem caminhar ao lado. Não sei se os sente, mas se, ao brilhar os olhos e vibrar a alma, saiba, algum, talvez o seu próprio, espreite sua parte mais digna. E para que escrevo tudo isso? Para dizer-lhes, aos Heróis, o que sinto e quão bom é ser filha de vosso legado.
“ Encarnando as virtudes, eles me deram um presente, a chave para o que o Homem tem de Melhor. ‘Raça de Heróis virá salvar a Terra.”, e pretendo, honrosos cavalheiros, fazer parte desta confraria com meu sangue, minha energia e alma, por ser livre, atrelo-me a vocês. Usando um pouco do que outros Heróis já disseram agora despeço-me de meu humilde agradecimento:
‘Nada para mim senhor, nada para mim... Tudo para a Glória Heróica, a mais distinta Saga: a Evolução!’ “

domingo, 23 de novembro de 2008

É um gostar...


Eu gosto de você, e é um carinho que supera limites e barreiras. Alguém como você não pode ser esquecido porque os dias estão se passando, ou porque não temos mais o calor das risadas no fim das tardes. Mas é tão difícil entender que agora esse gostar é diferente? Ele não é menos sincero ou tenro do que era, só que diferente; agora é um gostar fraterno que nos podia fazer muito bem. E é o de mais precioso que eu posso dar às pessoas, meus sentimentos sinceros e esforços de uma concórdia mútua e digna de ser lembrada. Eu sei que, no início, isso seria difícil para você, os sentimentos são tão estranhos que se manifestam de maneiras diferentes em diferentes pessoas. Mas, eu acreditava que, em quanto estivéssemos ligados em coração, tudo poderia esperar, a dor cessaria e veríamos juntos a amizade primaveril.
[...]
E agora, olha! Está tudo desfacelado e você segue para um caminho tão destinto do meu, impedindo que eu o veja caminhar. Agora não estamos mais ligados, romperam os melhores grilhões, e todo nosso gostar, ao invés de transmutar, está findando na discórdia e inconsciência. Serei sincera, acho que a maior parte da culpa é sua. Mas, também é teu o maior fardo, de conviver com a discrepância sentimental dentro de um pobre coração. Eu sei, é como Drummond diz: “Não, meu coração não é maior que o mundo...” Mas me dói saber que o meu coração não foi capaz de absorver suas dores e converte-las em lindas rosas que iriam florir e decorar tua mesa, aonde se fartaria da vida. Esse era meu papel, e me pergunto: “Aonde deixei esta falha acontecer, qual brecha houve, por quê?” Não adianta explicar, seria inútil também.
[...]
Querido amigo, doce pessoa do meu mais sincero gostar; veja: ainda estou aqui, e estarei aqui sempre, esperando no mesmo lugar. Estou com a chaleira ao fogo e o pão no forno, com a mesa pronta e seus sapatos arrumados; a morada da amizade ainda pode nos unir. Nesta casa não há portas.

domingo, 16 de novembro de 2008

O Primeiro Beijo



Ambos estáticos. Os olhares se desviavam, não era proposital, um impulso nervoso para que a certeza não viesse, estavam parados frente ao sentimento mais sublime e subversivo existente. Ela se levantou num assalto, ele a seguiu, foi interceptado e voltou a sua cadeira. Ela olhou para a porta, olhou para ele, olhou para o chão. Também retornou ao seu lugar e suspirou afonicamente. Não é preciso descrever como tudo começou, afinal, quem nunca teve um romance, bem ou mal sucedido, fundamentado em carência ou na sublimação que é o verdadeiro Amor? Também é indiferente como eles eram, como são e como serão; são todos nós, são todos os eus cabíveis dentro de uma mesma dúvida: o que é amar?
Agora pairava em ambas mentes a dúvida: E agora? “Preciso falar-te, Melissa, eu quero que saiba...” Emudeceu, ele não sabia o que era necessário ser dito, Melissa o olhou e corou a face, ela sabia perfeitamente o que era.
Os pés dela começaram a esticar em direção as pernas de Henrique, faziam carinho e conferiam um ar mais amistoso ao ambiente. Ele, em contra partida, começou a assobiar baixa a música preferida da amada, era algo detestável e meloso; ela se emocionou como todos nós faríamos. E o dia foi mesclando com a noite, e o tempo passando e a calma vindo, eles poderiam esperar muito tempo ainda.
“Você vem comigo, Henrique? Para onde eu desejar, mesmo que seja um lugar onde não haja espaço para cautela e inseguranças? Você conseguirá se desprender de todos os seus medos em nome de algo maior e se lançar ao meu lado a tudo isso que vejo em teus olhos?” Ele a olhou, deu um sorriso singelo e acenou com a cabeça. Ela bebeu um copo de água e comeu algumas bolachas. Já era noite, ambos se levantaram e foram andando peripatéticamente pelo jardim, o frio já se fazia presente.
- Quanto tempo se passou, Mel? Desde que você chegou nessa casa, se sentou na cadeira e me outorgou uma decisão tão difícil, quanto tempo? Quanto tempo para destilar seu veneno, inebriante e letal, que me confere mais medo e insegurança que a noite gélida a qual presenciamos?
- Não muito, você é alguém previsível demais para eu gastar toda minha retórica, e já está morto do veneno que diz me fazer peçonhenta. Como chegamos a esse ponto, como nos amamos tanto, mas nos afastamos por um abismo imperceptível? Como eu venero tua morada, calculada nas dores alheias e anseios egoístas, como você ainda consegue me atrair?
-Simples: você é uma bela criatura, inebriante, como eu mesmo já disse, mas fraca em suas convicções. E, ao me encontrar, ancorou toda sua fraqueza, mesmo eu não sendo tudo o que você almeja para possuir. Eu só me pergunto, será isso amor? Anos e anos passei estudando a mente humana, e tentando explicar este sentimento, e você diz que o temos nos unindo, mesmo de maneira pouco saudável?!
Ela parou, cobriu o rosto para que não a visse chorar. O diálogo sério e carregado de elucubrações faz parecer mórbido, ficcionista e desumano. É que eles, diferente de nós, falavam o que realmente sentiam, sabendo que isso não seria atenuante na dor que os amantes incompreendidos sentem, amantes que partiriam para sentidos opostos antes do amanhecer.
-Eu te amo, com todas as forças que consigo reunir. Mas sei que não é um amor que motiva a seguir em frente, ao contrário, ele me priva de estar inteira, pois só ao teu lado reúno as minhas maiores, e piores, forças. Eu nunca pensei no Amor, sempre julgando apenas uma palavra obsoleta e desconexa, e agora me encontro com as mesmas dúvidas. Não é engraçado?! Você o estudou tanto, eu tão leiga, mas ambos suspensos pelo mistério do amor!
Ele chegou perto, enlaçou sua cintura com uma das mãos e com a outra fechou os olhos de Melissa. Aproximou-se do seu ouvido e sussurrou para que nem os morcegos ouvissem e participassem daquele momento solene, momento íntimo:
- Você quer glorificar porque não o conhece, mas eu, não só o estudei, mas fui vítima desse algoz desesperado. Diz a lenda, que quando nos machucam, as feridas ficam latentes e profundas, e só se fecham com novas e piores. Para isso, é preciso machucar o outro, outorgar a dor é compartilhar amor, é deixar viva a angústia de se estar vivo, é compartilhar o que tenho de mais intenso, minha loucura por amar todas as coisas. Eu te amo.
-Eu te amo, e não estou com medo de sofrer, eu te amo...
E então, seus lábios se encontraram e ambos choraram em soluços. Não era o primeiro beijo deles, mas parecia, assim encararam. E viveram aquele momento de êxtase com glória e vitória, era o beijo melhor dado e recebido, o primeiro, porque é o mais verdadeiro, limpo e liberto. Algo que esquecemos por querermos velar o sentimento alheio, quando as feridas transbordam e sufocam toda a verdade do beijo, a verdade do amor. Ela o abraçou, ele a rejeitou e entrou na casa. Melissa foi embora, de pés descalços. Nunca mais se viram, nunca mais souberam do que aconteceu; no fundo se sentiam arquétipos e queriam que fosse assim. Há uma Melissa dentro de mim, de você, que quer viver um amor sincero e ávido. E um Henrique, que quer o entender e faze-lo verdadeiro, eterno; quando eles se encontram? Talvez tenhamos de estar descalços de nós mesmos para encontrá-los.

sábado, 15 de novembro de 2008

Sim, eu acredito.


Há um lugar maior, que transpassa as nuvens e se iguala as estrelas. Há um lugar onde os Deuses brindam e zelam por seus filhos, há um lugar celeste inatingível de toda maldade. Eu não consigo o ver, mas contemplo toda sua imensidão inserida no Mistério que é sua existência; eu sei que ele existe. Pensar assim não é eximir a baixeza dos homens, nem relegar a inexistência dos bons. Pensar assim é acreditar na humanidade, acreditar que temos um laço com este lugar sutil, que vamos conhecer um dia, quando toda a humanidade o invadir como crianças leves e libertas.
Sim, eu acredito na Humanidade. Acredito nos bons homens, que em dias difíceis lutam por honra e justiça, acredito naqueles que me dão um sorriso mesmo estando submersos em problemas sérios. Acredito no que ri são, em quem luta com vigor e, mesmo perdendo, vence a si mesmo. Acredito nos homens que sabem o valor das flores.
Sim, eu acredito nas flores. Acredito na beleza e no poder da natureza, que transmuta o feio no belo, o vicioso no virtuoso. Acredito nas Leis Naturais, na complacência e compaixão dos pássaros e no encantamento das borboletas. Acredito nas plantas que, generosamente, nos dão a vida e nas colônias de fungos que cooperam entre si, um belo exemplo. Acredito neles, acredito, pois são parte do Universo.
Sim, eu acredito no Universo. Em sua grandeza, em seu mistério, eu seu poder. E acredito que as estrelas carreguem o que há de bom em mim, que o Sol me guie e a Lua me faça lembrar dos tempos passados. Acredito que o Zodíaco me faça recordar dos tempos míticos de outrora, e que a Via Láctea seja a magia derramada no mundo. Acredito que o Universo seja a plasmação de algo superior. De um lugar maior, que transpassa as nuvens e se iguala as estrelas. Hoje, eu olho para o céu, para essa noite ofuscada e sem estrelas, e sei que não estou só. E é por isso, só por isso, que me reconforto, quão grande é a liberdade de saber teu lugar.