domingo, 14 de dezembro de 2008

Lembra-te, gentil.

Sente a melodia, vagueia por ela como um bêbado pela avenida. Sua mão já encosta na minha, a possibilidade de ser embalada por ti sem termos que nos tocar, é esta a beleza da música. E bem sabe que, ao passo do tempo que se arrasta, todas as belezas da alma se atrelam a sua figura, agora flagelada em lembranças. Não há dança sem que se lembre de seus pés, ou caminhar sem seu cavalo uníssono. E agora o salão está tão vazio, frio e morto. Olho para as pessoas com meu mais solene descaso, todas elas me refletem a morbidez que pode se tornar estar vivo. Sento-me na enorme escadaria, afagar meu vestido não me consola, desfazer o penteado é como desistir da festa, desistir de tudo.

A verdade, triste e turva, é que meus dias escureceram. Não há manhãs sem seu belo ‘bom dia’, e nas tardes chuvosas não há doce ao pé da lareira. É que as estrelas perderam seu significado, o mundo parece girar mais rápido para otimizar minha solidão. Cansada de aperfeiçoar este estado insípido, corri mundo; procurei-te em todos os cantos. Inútil! Todos querem usar máscaras com sua face, bela e austera, mas nenhum carrega sua espada, sua nobreza. Posso ver o salão cheio de farsas, das quais não quero conviver - demais para mim. Retornar ao meu estado e esperar que rompa a porta, beije-me a mão e me conceda uma primeira última dança é sonhar demais? Pois, ao repousar, seja no verão ou no rígido inverno, é apenas esta cena que me vem à cabeça. Há de haver o dia em que embalaremos nossa vida com um Amor frondoso, que nos banhará em plenitude.

A primavera me parece distante, ela é contemplada em um dia esquecido, do qual possivelmente teremos que esperar para viver. Não se esqueça de mim! Não se esqueça de quão meu amor por ti é forte e sincero. Por mais que passemos por moradas diferentes, terrenos longínquos e dragões inúmeros; não se esqueça de mim. Pois eu viverei pensando em ti, todo meu labor é para ti, não demore, não demore, por favor. [A escrita já me falha, o coração inflama, tal sentimento começa a se mesclar nas palavras, pobres companheiras.]

Mas vejam, assustados leitores, nem tudo é como pensam. Devem estar pensando como deve ser este homem, qual eu deposito meus maiores sentimentos e esperanças. Talvez alto, forte e voraz, possivelmente muito gentil e de traços finos. E agora a curiosidade deve extrapolar os limites, todos devem se indagar como nos conhecemos e o quão somos íntimos. Não, não, não![Nota-se minha tristeza na ênfase, ao menos deveria, tudo é tão corrosivo agora, quase sinto uma mágoa ao meu lado]. Não há ele, não há nada além do anseio de sua existência, infantil desejo emancipado em meus dias. Não há nada além da aventureira vontade de viver este amor, tão puro e claro; tão fluido e majestoso. Falta-lhe face, falta-lhe existência, nobre homem. Só vejo suas sombras, suas máscaras, mas nunca fomos apresentados.

Vai, foge sentimento pouco lúcido! Faz-me enxergar a crueldade do medíocre, me faz viver meus dias sem teu arquétipo, sem essa espera angustiada. Faz-me descansar e não ter mais que esperar o acaso, o destino, ou simplesmente buscar em si alguma explicação lógica. [Ele se afasta, vai aos poucos atendendo ao meu pedido, eu não sei mais se é o que quero.] Volta! Que não te quero distante, perder-te é minha clausura, desistência maldita da beleza do mundo, beleza que não é do mundo. Estou aqui, estarei sempre. Não se atrasa, nosso encontro selado está, vem que espero tua mão, teus pés, seu semblante a fitar-me. Lembra-te do nosso amor, remontado em tempos de glória, lembra, lembra... [E assim já estaremos juntos!].

Um comentário:

May disse...

O gentil, o forte, o nobre cavalheiro ainda se esconde atrás das montanhas dos sonhos...
Quando é que ele se tornará tangível, palpável?
Quando é que ele virá nos buscar para a primeira e última dança, e nos embalar na melodia do Infinito?
Talvez quando formos gentis, fortes e nobres.

De restante, contentemo-nos com a solidão que parece infinda, mas que é nosso repouso, nosso ritual de harmonização.

:) Lindíssimo texto, meu bem.


(LL)²