sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Encontros e Desencontros.

Marcaram o encontro às duas, na praça perto da casa dela. Ele chegou mais cedo, acendeu um cigarro para esperar, logo se transformou em um maço inteiro, ela parecia atrasada. Estava. Quando chegou, depois de quase meia hora de atraso, parecia conformada e nem um pouco preocupada com a ansiedade do até então amado. Mãos unidas em ato suplicante, ele queria conversar. Era desperdiçar anos de vida, uma história bela por pouca coisa, por crise de adolescência atrasada. Isso a enfurecia, ele não entendia, era incapaz de perceber...
- Não é nada disso, se você soubesse nunca me faria tais acusações. Somos muito diferentes, você busca algo que não me é próprio!
- O que?
- Comodidade, segurança, você é tão... tão conformista!
- Que estranho, há poucos meses isso lhe deixava feliz, você dizia ser atitude de homem! Estranho isso...!
- Estranho seria eu acordar com você ao meu lado, agora isso seria estranho! Eu não sou a mesma de um mês atrás, nem um dia, então não preciso me justificar. Agora você, nunca muda, não melhora, não se esforça. Matou seus sonhos em uma só tacada, quer fazer o mesmo comigo, não posso deixar.
- Tem outro? Tem, não tem?
- Anh?! Como assim? Não preciso disso para terminarmos, apenas não quero mais sua companhia, que, aliás, tem sido um imenso fardo!
- Como você é cruel, como você é cruel...!
- E esses cigarros? Ia parar na primeira semana que nos conhecemos, depois de anos eles ainda nos acompanham, mesmo com minha alergia. É isso que me irrita, seus cursos inacabados, suas viagens nunca feitas e os sonhos deixados pelo caminho, é isso que me irrita.
- Eu te amo! Você sabe o que é isso?! Tou falando de amor, garota! Você é a mulher da minha vida, e não pode terminar comigo por um cigarro ou as férias que não aconteceram. Não é sólido o suficiente!
- E o que é sólido? Dividirmos contas, lençóis e você saber como gosto do meu café? Jantarmos juntos e comermos chocolate durante o jornal? Sair para dançar e dormir no carro, com medo de voltar para casa? O que temos de sólido, além de hábitos mortos e uma vida rotineira?
- Mas é isso, um relacionamento é isso! Se não houver a rotina, não há relacionamento, não há amor. A adolescência já passou, cresça. Não tenho que me inventar todos os dias, meus defeitos deviam ser normais, assim como minhas qualidades.
- Eu preciso ir embora, passo amanhã para pegar minhas coisas no apartamento, se quiser ir separando os discos e livros, por mim tudo bem. Ah, vou levar algo para almoçarmos, não acabe com todas as cervejas na geladeira, por favor.
[...]
Ela apareceu no dia seguinte, vestia uma saia que ele amava. Dizia ser presente de Deus, pois parecia o próprio céu, ele complementava dizendo que ela era o próprio paraíso.
- Oi, hoje você não demorou. É tanta a pressa de ir embora?
- Não é isso, por favor, não quero ressentimentos; eu só fui pontual porque vim de táxi, meu pai ia pegar uns exames aqui perto.
- Você vai morar com ele agora?
- Por enquanto sim, mas depois mudarei para o apartamento da Ana, lá do restaurante, sabe?!
- A Ana é realmente sua amiga, né?! Gosto dela, acho que será bom vocês morarem juntas, vai perceber que a vida é uma rotina, não sou eu o chato que entedia seus dias.
- Eu não disse isso, disse? Talvez eu que não estivesse pronta para relacionamentos mais sérios, vai saber. Onde estão minhas coisas?
- Ali, tudo embalado com muito carinho. Não quero almoçar com você, só iria me fazer mal.
- Ta, então eu vou indo. Sê cuida, tchau.
- Te amo.
[...]
O tempo passou, os meses condensaram e um dia o telefone toca. Ele atende, estava mais preocupado com o futebol.
- Alo, é a Marina. Tudo bom, Carlos?
- Oi, quanto tempo. Como cê ta?
- Tudo bem, eu tou morando aqui no meu pai, só que com a Ana. Ele ta trabalhando em Portugal, só volta ano que vem.
- Legal, seu pai sempre arruma coisas diferentes para fazer, né!? Nada de rotina!
- É... Te liguei porque tem um disco do Caetano meu ai com você. Eu sei que você adora, mas é meu preferido, e a Ana não tem também. Você pode trazer até aqui?
- Claro, passo aí agora, ele ta aqui no som. Legal, você e a Ana parecem até um casal agora.
- Não exagera, a gente é só amigas, nada mais. Se bem que, com ela, a rotina é bem mais animada mesmo. Tou te esperando, beijão.
[...]
O apartamento tinha a cara do pai de Marina, bem moderno. Muitos quadros e livros espalhados. Tinha umas latas na mesa principal e um baralho empilhado no canto, elas estavam cozinhando quando ele chegou, sentiu-se um estranho.
- Aqui está, inteiro, nunca arranharia um disco como esse.
- Eu sei, sempre confiei no seu cuidado com as coisas, quer almoçar com a gente?
- Atrapalho?
- Não, imagina. É um prazer, quero saber como anda o trabalho, seus pais e as namoradas.
- Senti uma pontinha de ciúme!
-Ou saudades, mas agora vem!
Almoçaram, riram e jogaram buraco a tarde toda. Marina sentia saudades, verdadeiras saudades, saudades da rotina, do jeito calmo de Carlos, do violão desafinado e o cafuné no fim do dia. Ele já olhava Ana, que era a mais calma de todos, parecia acostumada demais com a vida, nunca se irritando com o que lhe era reservado.
Aos poucos, os três se viam com freqüência.
[...]
Marcaram no bar, ele e ela. Ela se arrumou, chegou mais cedo e tomou várias cervejas o esperando. Ele atrasou, e ele nunca atrasava, mas atrasou.
- Que foi?
- Nossa, senhor hostilidade. Chamei você aqui porque temos que conversar...
- Sobre o que?
- Tenho saudades, queria muito que voltássemos, o disco do Caetano só é meu preferido ouvido abraçada a ti.
- Que romântico, muito me infla o ego ouvir tal, mas não posso. Estou namorando, ou quase.
- Quem, eu conheço?
- Ana, mas ela não te contou antes por medo da sua reação, ela gosta muito de você!
- ...
- Não fica assim, Má! Você vai achar alguém que te ame, que saiba inovar a cada dia, você era demais para mim, demais para nós dois, demais para você mesma.
- Você é cruel... Muito cruel!
- E seus ataques, e suas crises de verdade? Me dizendo como eu era, apontando meus defeitos como se você espelhasse perfeição. Isso é cruel, agir como um azedume e agora me cobrar compaixão, amenidades.
- Te amo.
- Eu sei, mas agora pode ser hora de mudar isso.
- Eu vou indo, já vi que seu humor não está dos melhores.
- Tudo bem, passarei amanhã em seu apartamento para pegar as coisas de Ana, ela me pediu. Tchau.
- Tchau.

[...]
Carlos amava Marina, namorou Ana. Carlos casou com Ana, separaram dez anos depois, ambos infelizes, mas sem forças para uma separação. Marina viajou o mundo todo, namorou vários, não gostou de nenhum. Dizia só gostar de seu velho disco do Caetano. Um dia, após dez anos, Carlos e Marina encontram-se em uma livraria à beira-mar.
-Quanto tempo, Carlos. Como está?
- Com saudades, o que faz aqui?
- Vou morar aqui, pelo menos por enquanto. Ainda casado?
- Não, acabo de me separar, graças a Deus.
- Já vi que você mudou muito.
- Não mudei nadinha, como da última vez que nos vimos e ouvimos seu disco, ainda tem?
- Sim, e, como não mudamos nada, acho que podíamos ouvi-lo novamente. Fico feliz de não ter mudado, realmente feliz!

Um comentário:

May disse...

Gente, que coisa mais.. mais.. linda i___i
Quem me dera escrever contos tão belos assim, tão cheios de um sentimento objetivo e profundo..
Me ensina? :)


Te amo, flor (L)²